Fazer lançamentos em ala para recordes não é tarefa simples. E se o recorde for de freefly, exigindo mais proximidade no lançamento, precisamos de ases no comando
Por Bruno Shmidt
Nosso querido e carismático Cmte Bruno Shmidt, autor da matéria, no comando do Caravan
da Skydive 4Fun
Um evento como o Record Sul Americano que ocorreu recentemente em Boituva, em fins de maio, exige semanas de preparação dos pilotos para a realização dos voos em ala. São inúmeros fatores envolvidos como a manutenção criteriosa das aeronaves e a própria escolha delas conforme a posição que ocuparão em vôo para atender ao planejamento da engenharia do voo, item essencial para o sucesso dos saltos.
As aeronaves selecionadas para cada posição, levam em consideração a altura do lançamento, força do motor e disponibilidade de peso. Cada ocupante na decolagem e cada litro de querosene a mais fazem toda a diferença. Com esses itens básicos organizados, são instalados os sistemas de oxigênio em cada um dos aviões e os pilotos se preparam em briefings.
Na seleção de quem voará, leva-se em conta quem tem as habilidades mínimas para cada grau de dificuldade no voo em formação. E o começo para se voar em ala, ao contrário do que ocorre nas esquadrilhas de acrobacias e apresentações, por exemplo, o líder não é o piloto mais experiente. Pelo contrário, é nessa posição de liderança da formação que nossos pilotos começam a ser treinados. Pois é no voo ao lado do líder, o mais próximo possível, onde reside a maior dificuldade técnica e hábil de manter o avião a poucos metros do outro, pois ele fica quase sem comandos pelo excesso de peso na porta no momento da reta. E ainda tem o agravante do ar rarefeito nos recordes.
Os lançamentos de Belly são os mais afastados e “fáceis”, que seria o próximo degrau para o treinamento desse nosso quadro profissional. Conforme nossos pilotos saltam de líder pra ala em formações de barriga, a próxima etapa é voar em ala atendendo os Freefliers, com voos bem mais próximos e críticos. Sem margem para erro.
Treinamento – Os pilotos da Skydive 4Fun são treinados para voo em ala começando pelo líder que garante um voo suave e constante, em especial no momento da saída
Preparação para o recorde FF
No dia do recorde nos preparamos com um breve briefing em nossa sede em Boituva, localizada no hangar do Alemão, do nosso querido comandante Ulisses Berggren. Nesse briefing, em nosso escritório, convencionamos o líder como o comandante do voo. Seu objetivo é realizar um voo suave para que os alas não precisem fazer correções na direção e nível na reta final. O líder passa a ser os olhos e a direção da esquadrilha no voo e na reta para o lançamento. Já os alas ficam constantemente e fixamente observando seu líder, mantendo um voo bem próximo. Pilotar o avião vira segunda preocupação para o ala.
Visando a facilidade executamos uma breve, e sempre muito precisa, comunicação por rádio, onde cada avião dentro da formação responde por um número, levando em conta a posição na formação. Assim, para seguir com unidade e proximidade em voo, o líder, sempre que vai realizar uma manobra, por mais sutil que seja, anuncia o comando a ser executado. Na sequencia, em ordem numérica, o alas acusam o recebimento das ordens com seu número e um ok. A partir daí o líder inicia a manobra no final de uma contagem: “3, 2 ,1 , TOP!”. Nesse exato momento iniciamos o comando juntos para que a peça voe uníssona.
Poucas palavras são faladas e o foco individual no voo sempre domina. Abrimos o oxigênio a 14mil pés e logo depois, chegando próximo aos 16mil (18mil AGL), o voo se torna bem mais crítico com o ar menos denso. As aeronaves ficam mais difíceis de voar pois os comandos ficam mais lentos e com atraso. Por esse motivo, fazemos o planejamento da reta a cada decolagem para que os alas não fiquem ofuscados com o sol na cara, por exemplo. Isso ocorre com frequência conforme o horário e a posição do sol ao longo do dia.
Outra dificuldade em grandes altitudes são os ventos de camada. Chegamos a pegar ventos com até 110km/h e assim a reta pro lançamento pode ficar bem curta, com a enorme área de voo de Boituva sendo cruzada em breves instantes.
A saída: Momento de maior tensão
A tensão maior fica na luz verde, momento que os atletas começam a se posicionar pra fora da aeronave. Quando estamos lidando com recordistas, a nata do esporte, atletas experientes e de alto desempenho, acontece uma agilidade excelente por que eles sabem o quão crítico é de manter uma aeronave voando em linha reta pro lançamento. Ainda mais a grandes altitudes. Mas os atletas cumprem com rapidez o posicionamento na porta. Assim, o peso da responsabilidade, a tensão desse momento, mais o foco, afunilam nossa visão apenas para o voo. Nossas vidas ficam literalmente nas mão dos nossos colegas pilotos. Sem que você possa ver o avião próximo a você na reta, a única palavra que pode definir o momento é confiança.
A vista é privilegiada nesse instante. Por ora deparo numa fração de segundo com a expressão no rosto dos paraquedistas fazendo a contagem. As vezes um simples cadarço desamarrado de quem está indo para o “Camera Step” me atrai e fica gravado em minha mente que está funcionando muito acima da velocidade normal.
Habilidade do conjunto – Não basta apenas habilidade em voo dos pilotos no comando das aeronaves. Na foto, o grupo mal realizou a saída e a formação já está tomando forma para estabelecer mais um recorde
Após a saída, a tensão vai junto
A galera se desprende da aeronave de uma só vez e o peso alivia. A tensão diminui e descemos ainda em ala, respirando bem mais leves. Mais um lançamento bem sucedido e a torcida para que os atletas atinjam seus objetivos no salto. Mas o que vem na nossa cabeça nesse momento é que queremos logo subir pro próximo e superar as expectativas.
A capacidade que alcançamos em entregar um voo em ala tão próximo e estável é fruto de anos de treinamento e tentativas que nem sempre foram boas. Mas quando trabalhamos com união, confiança e dedicação, o sucesso é só uma questão de tempo. Como foi nesse último evento do recorde sul americano de freelfy. Voamos unidos, os três aviões, com a Laís liderando e eu com o Paulo Pereira de ala. E juntos completamos mais um ciclo de sucesso em entregar o nosso melhor no lançamento, para que o grupo alcançasse mais um recorde importante para o nosso skydive.