O instrutor e coach de freefly Gabriel Toshimi Yamazoe iniciou no esporte inspirado no seu irmão mais velho e nesse bate-papo você vai ler muito sobre disciplina, seriedade e inspiração.
Formado em agosto de 2013, pela escola SkyCompany em Boituva, Toshimi teve como instrutor o paraquedista Igor Costa que logo de cara já chamou sua atenção, pelo fato do instrutor ter sua idade (18), e mil saltos. “Só me fez respeitá-lo mais ainda!”.
A inspiração no irmão mais velho começa com uma história de superação em 2011, confira a entrevista completa com Toshimi:
Air Press: Como foi seu encontro com o paraquedismo?
Gabriel Toshimi Yamazoe: minha mãe havia tido um AVC em 2011 e em 2012 passamos por muitas dificuldades financeiras. Meu irmão mais velho, que na época sustentava 70% da casa, tinha perdido o emprego, era o meu último ano de ensino médio e contávamos com a vã esperança de eu passar em alguma faculdade pública (que até 2013 não havia acontecido). Estávamos desesperados. Mas a virada do ano seguinte mudou a maré. Acabei passando na 5a chamada para a Universidade Federal de São Paulo e meu irmão recuperou o emprego.
Depois do sufoco todo que passamos, ele decidiu que gostaria de fazer algo completamente diferente, que nunca havia feito, então se matriculou no AFF. Dois meses depois, resolvi fazer o mesmo.
Air Press: E sua primeira vez? Conte como foi.
Gabriel Toshimi Yamazoe: Naturalmente saltar foi uma mistura de querer versus não querer. Quando cheguei em Boituva e vi a biruta murcha, o nervosismo bateu de verdade e comecei a questionar a minha vinda. Mas não poderia dar pra trás, não na frente dos meus irmãos. Precisava fazer aquilo para provar pra mim mesmo que poderia fazer algo diferente e muito desafiador.
Na subida do avião preferi não pensar e simplesmente me entregar à ideia, afinal, já estava ali mesmo e com dois instrutores que eu confiava.
Na dúvida, eles salvariam a minha vida, eu pensava. (risos)
Referência! Acima! Abaixo! Sela! na saída do avião não sabia que a queda livre era tão barulhenta, tão caótica. Mal conseguia escutar meus pensamentos, parecia outra dimensão, não via nada além dos meus instrutores. Não gostei muito, particularmente. Não havia noção alguma do que estava acontecendo e o pior: o barulho era ensurdecedor.
Mas ao abrir o paraquedas, me encontrei com o silêncio. E vi o planeta aos meus pés. O paraquedas aberto e inflado em cima de mim, completamente funcional. O sol perto da minha cara e as nuvens me fazendo companhia. Ali sim estava presente e satisfeito. Gostaria que aquele momento jamais terminasse. E se ainda estivesse voando ali até hoje, não estaria reclamando. (risos)
Air Press: Outra experiência marcante?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Sim, foi o meu 6o salto, Nível 5 do AFF, com o instrutor Alan Constancio; era por volta das 17h30, quase pôr do sol, e os arredores de Boituva estava chovendo muito.
Subimos a 12 mil pés, mas ainda tocávamos a base das nuvens na reta. Me lembro até do piloto, Paulo Berggren, porque o Alan disse “vocês podem ficar tranquilos com a nuvem. É o Paulinho pilotando!” E depois de alguns instantes olhou pro Alan e disse: “você viu o que eu falei né?? Hahaha”. Olhei pela janela e me deparei com um céu azul de nuvens amarelas e laranjas. E como lá em cima ventava muito, as cores dançavam nas nuvens e se misturavam. Foi bem bonito.
Saímos e durante o salto atravessamos os buracos de nuvens e consegui ver o céu mudando de cor durante a queda livre. Foi uma experiência inesquecível. O salto todo pareceu em câmera lenta. Dessa vez não havia barulho do vento.
Até hoje o Alan comenta que fui um dos alunos mais calmos.
Air Press: O que mais quer compartilhar do seu início no esporte?
Depois de me formar no AFF, saltar era algo que me trazia muito prazer. No entanto, universitário e pobre, não me via apto a praticar durante muito tempo. Ele é caro. Pra mim não era particularmente sustentável, e a parte que eu mais gostava era a do velame… Então muitas vezes questionava a mim mesmo, se estava no esporte certo.
Às vezes paragliding me parecia um pouco mais atraente, mas tão caro quanto.
Não sabia exatamente o que estava fazendo durante os saltos, até porque, não tinha como pagar coaching e BBFs. Então eram doses de adrenalina que aos poucos sabia que meu corpo iria se acostumar e achar chato. O progresso era um caminho muito distante que não fazia questão de caminhar. Só era bacana saltar, muito embora não fizesse sentido nenhum para mim, na época, continuar saltando por conta de grana.
Air Press: E o que te fez continuar?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Lembro-me de estar no avião e ser o último a sair uma vez. Devia ter em torno de uns 30 saltos e alguém muito gentil me sugeriu de fazermos um 2way para que eu pudesse treinar um pouco. Basicamente nos vimos em alguns instantes durante a queda livre, relativamente longe e observei a separação dele. Comandamos, e nunca mais o vi. Pousamos, e nunca soube seu nome para agradecer a gentileza. Nesse dia, passei a ter um propósito em saltar! Outra coisa que me cativa no esporte, é o fato de eu gostar muito de aviação. Sempre foi um atrativo que me fez permanecer saltando. Como sou muito leve, pesando 65 kg, sempre acabava saindo por último e ficava observando durante a subida o painel da aeronave e conversando com o piloto. Durante a queda livre, logo na saída, era incrível ver o avião voando para baixo e para longe, até a vista alcançava mais.
Air Press: E como você começou a dar coach? Se profissionalizar?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Tudo mudou quando comecei a trabalhar no túnel de vento. Universitário, pobre e com apenas algumas dezenas de salto, jamais me vi trabalhando em um túnel. E ocupar uma vaga lá era o sonho de muitos paraquedistas. Quando fui fazer o processo seletivo, haviam outros paraquedistas e com mais de mil saltos. Mas eu tinha algo, que logo percebi ser mais valioso do que qualquer qualidade técnica ou quantidade de saltos, eu tinha tempo livre para trabalhar aos finais de semana. A contratação no túnel e a subsequente evolução, transformou meu hobby em meu estilo de vida. Mudou todos os hábitos que um dia já tive. Aprimorei habilidades sociais que nunca pensei que teria: atender desconhecidos, por exemplo. Me deu coragem para fazer coisas que jamais pensei em fazer. Expeliu mágoas que estavam há muito tempo incrustadas em meu espírito, sem nem mesmo eu saber. Além de ser meu atual sustento até os dias de hoje.
Air Press: O que o paraquedismo trouxe de especial para sua vida?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Com certeza eu devo todo o meu autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e de certa forma até filosofia de vida – de sempre querer me aprimorar; ao paraquedismo. Minhas amizades, meu casamento, minha evolução pessoal. Tudo isso veio acompanhando o esporte.
Air Press: O que é hoje pra você, saltar? Voar?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Saltar e voar me dá muito a sensação de uma meditação em movimento. A dinâmica dos fluídos exige que tomemos decisões e antecipemos soluções. Se você não está focado durante o salto, talvez seja melhor não saltar naquele momento. Praticamos um esporte de risco, que pode se tornar muito perigoso. Mas se controlamos o risco amenizamos o perigo.
Costumo refletir que já saímos “mortos” do avião. E é o paraquedas, por acaso, que salva nossas vidas. Então não é um momento de resistência, sim de entrega. De subserviência ao vento. É dar tudo de si nesses segundos que nos é permitido voar.
Air Press: Conte-nos um salto memorável em sua carreira no esporte.
Gabriel Toshimi Yamazoe: Dentre tantos, o que me ativa a memória agora, foi um Tandem que filmei na SkydiveThru Piracicaba, com o Daniboy de instrutor. Sua passageira era deficiente auditiva. Foi um salto muito curioso, visto que eu tinha experiência em linguagem não verbal por conta do túnel. Então, foi uma das poucas pessoas que consegui conversar no avião. Uma vez que eu não lido muito bem com barulho.
A própria queda livre foi muito interessante, ela não parecia estar particularmente assustada. Não havia o barulho do vento a incomodando.
Air Press: Conte-nos um salto engraçado em sua carreira no esporte.
Gabriel Toshimi Yamazoe: Foi com a minha esposa Patricia (então namorada), Edu Moreschi e a Babi Petry em Boituva em um dia de saltos fun. Eles resolveram fazer freefly, mas na época a Patrícia não sabia voar nada além de belly fly; então o Edu sugeriu “vire uma bolinha que todos nós vamos de sitfly atrás de você”. Brilhante. (risos) Eu já sabia que não ia dar certo, mas fiquei quieto. (risos) Ela virou uma bolinha agarrando os joelhos e obviamente não caiu no eixo; ela girou para todos os lados e em todos os eixos, e praticamente só eu consegui acompanhar. Até hoje damos muita risada disso.
Air Press: Alguma situação ruim que você vivenciou no paraquedismo?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Quando dois atletas que estavam saltando comigo colidiram seus velames e um deles veio a falecer. Na filmagem fica claro que um estava ciente da rota de colisão, mas tinha um twist nas linhas pra resolver. Esse veio a falecer. Já o outro, preocupado em colapsar seu slider, não estava atento. Bastava uma simples curva para evitar essa tragédia. Estávamos fazendo um 3-way. Éramos só nós no salto.
Air Press: Algum conselho para quem está começando no esporte?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Comparecer na área de saltos é diferente e mais importante do que simplesmente aparecer. Não adianta nada você ir para a área e ficar no celular o dia todo tirando fotos sem absorver informações, tanto técnica, quanto pessoais, sobre as pessoas das com as quais você divide o esporte.
Air Press: O que você diria para incentivar alguém a começar no esporte?
Gabriel Toshimi Yamazoe: “Todas as pessoas são iguais, exceto pela fé nelas mesmas independente do que as outras pensam delas.” – Miyamoto Musashi
Air Press: Você mantém outra atividade profissional?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Hoje sou formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de São Paulo, mas não exerço e nunca exerci profissão fora do paraquedismo.
Air Press: Como sua família reage ao esporte?
Gabriel Toshimi Yamazoe: No começo minha família subestimava muito o esporte. Achava que além de ser loucura, não me levaria a lugar algum. Mas depois que viram a seriedade do processo, e o quanto evoluí pessoalmente, todos me apoiam muito hoje.
Air Press: O paraquedismo como profissão ou esporte ajuda nos relacionamentos interpessoais?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Um pouco dos dois. Depois que decidi me concentrar completamente na minha carreira de atleta, minha vida pessoal se tornou monótona, a ponto de muitas vezes nem conseguir sustentar mais uma conversa com quem não é do meio, e ser muito cansativo ao tentar. Ser ordinário e mundano muitas vezes me faz afastar do convívio, mas é algo que o esporte acaba fazendo com todo tipo de atleta.
Air Press: O que mais o paraquedismo te traz de benefício?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Ética, moral e integridade. Às vezes pelo exemplo contrário, mas ainda assim me faz um ser humano melhor.
Air Press: O que te faria parar de saltar?
Gabriel Toshimi Yamazoe: Ao contrário do que a maior parte dos apaixonados dizem, tenho plena consciência que qualquer coisa me faria parar de saltar. Tenho somente amor pelo esporte, mas sei também da brevidade das coisas e que tudo, cedo ou tarde, há de terminar. Prefiro abandonar o esporte do que me tornar mais um pra coleção de formadores de opinião e influenciadores de paraquedismo que não saltam há 10 anos.
Air Press: Filme
Gabriel Toshimi Yamazoe: Nascido para Matar (1987, dir. Stanley Kubrick com Matthew Modine e Vincent D’Onofrio)
Air Press: Música ou Intéprete
Gabriel Toshimi Yamazoe: Gangrena Gasosa – Quem gosta de Iron Maiden também gosta de KLB
Air Press: Livro
Gabriel Toshimi Yamazoe: Rickson Gracie – Respire
Air Press: Canal de TV a cabo
Gabriel Toshimi Yamazoe: ESPN
Air Press: Um canal no YouTube
Gabriel Toshimi Yamazoe: Bradley Hall, um canal de heavy metal
Air Press: Melhor viagem
Gabriel Toshimi Yamazoe: A Primeira para os EUA para voar, saltar e me hospedar num trailer da área
Air Press: Ainda quero conhecer
Gabriel Toshimi Yamazoe: Noruega
Air Press: Sonho de consumo
Gabriel Toshimi Yamazoe: Um fusca
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