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O espetáculo não pode parar

Mariana Paraguassu
Mariana Paraguassu
08/11/2023 às 20:40

Participar do Recorde Sul-americano feminino de formação em queda livre, com 48 mulheres, marca uma fase muito importante pra mim no esporte. Sou atleta de Big-Way há mais de 10 anos, moro nos Estados Unidos desde 2012 com meu marido, Anderson Briglia e ambos temos perto de 1500 saltos cada. Vivemos o paraquedismo intensamente por um tempo, com acesso fácil a coaches renomados e campeões mundiais, competimos 4-way no Nationals dos EUA por alguns anos, mas foram os Big-Ways que me conquistaram e foi um caminho natural até passarmos a fazer parte do staff de load organizers de Perris Valley.

Skydive Perris é a área de saltos que mais promove grandes formações no mundo. Ela é a casa do P3 Skydiving, que é uma grande escola de Big-Way fundada por Dan B.C. e Kate Cooper. Todos os anos o P3 recebe dezenas de brasileiros nos seus eventos. Tive o privilégio de desenvolver meu paraquedismo nessa escola, e eu posso dizer que alcancei os objetivos que tracei no skydive ao longo dos anos, graças ao meu envolvimento com o programa de load organizers e o P3, primeiro como aluna e depois como coach.

O programa de load organizers de Perris é formado por um time de coaches patrocinados pela área para dar instrução e saltar com atletas licenciados, a partir de Cat A.

O programa é gratuito e para saltar com os L.O.s basta chegar na área e colocar seu nome em uma lista. Geralmente uns três organizers estão disponíveis diariamente (no nosso caso só íamos aos fins de semana, pois sempre tivemos nossos trabalhos formais durante a semana). Montamos todos os tipos de formações sem custos (vaga ou profit), sempre focando nos fundamentos de belly fly e seja qual nível que você tenha.

Nós fazemos os briefings, debriefings e ensinamos as bases para grandes formações usando as técnicas do P3. Mas claro, em uma escala menor.

A experiência de trabalhar na ZL organizando centenas de saltos, ensinando e vendo a evolução de atletas que chegam lá verdinhos e daqui a pouco já estão em times nacionais, foi incrível. Eu aprendi com esse programa, eles me acolheram quando cheguei nos EUA com apenas 70 saltos, e depois pude contribuir um pouquinho com os que passaram por lá.

Meninas felizes após o recorde em frente à sede da CBPq / Foto: Batoque Filmes

Pausas e mudanças

Mas durante a pandemia tivemos que desacelerar. A rotina mudou. E nós nos mudamos por conta do trabalho. Fomos parar em São Francisco, no Vale do Silício, empregados pela Apple. Além de nos aprofundarmos em nossos empregos, Olívia veio ao mundo em 2016 e mudou bastante nossa rotina. Especialmente a minha, passando a me dedicar mais à maternidade e à carreira ao mesmo tempo. Os saltos ficaram em segundo plano.

Para a mulher, muitas vezes é desafiador se manter no esporte de alto nível, ainda mais no paraquedismo. Uma atividade que requer investimento financeiro e tempo. As pausas acabam sendo inevitáveis.

Durante essas pausas pensei várias vezes se não seria hora de parar de vez e focar em novos hobbies? Qual é a hora certa de parar? O esforço para ir até a área de saltos (que agora demanda uma longa viagem de pouco mais de sete horas) já está sendo muito grande. Fui me distanciando naturalmente.

Recorde Femino de FQL 48 Way nos céus do CNP, Boituva / Foto: Ramela;

Só pra Elas

Quando vi o projeto do Recorde feminino acontecendo, logo pensei: Taí uma boa oportunidade de encerrar com algo importante. E para minha surpresa, esse também era o plano da minha amiga, minha primeira coach e uma inspiração no paraquedismo, Érika

Queiroz. Ela já havia decidido parar, mas retornou aos saltos para ajudar a liderar esse projeto e encerrar uma fase. E eu achei importante participar desse momento.

Há muitos anos eu não saltava no Brasil. Fiz o meu AFF em Manaus em 2011 e nunca havia saltado em Boituva, a maior área do país. Geralmente o caminho é o oposto, os atletas do Brasil que vão à Perris, foi assim que conheci a maioria deles. E confesso que, por mais que eu tenha muita vivência no skydive, o nervosismo de saltar em uma área nova logo se fez presente. Mas foi superado instantaneamente ao sentir novamente o calor latino, reencontrar amigos e antigos mentores e, principalmente, conhecer tantas atletas novas. Mulheres com histórias de vida e superações incríveis.

Eu não esperava que fosse experimentar novamente todos os motivos que fizeram me apaixonar por esse esporte lá atrás. Ver o brilho nos olhos delas, me sentir parte desse grupo e relembrar como o paraquedismo une tantas forças, diversidade e culturas.

Organização, Vibe e Segurança

Eu não estava mais acostumada com a vibe do paraquedismo brasileiro, com esse clima mais acolhedor e humano. O paraquedismo nos Estados Unidos tem um clima diferente, contido, mais formal. No Brasil conseguimos unir um esporte tão técnico, mas com diversão e amizades, sem afetar em nenhum momento a qualidade e a segurança do evento.

Tudo foi muito bem organizado e planejado por um grupo de mulheres fenomenais, que fizeram história. Elas se dedicaram por quase dois anos, recrutando e treinando novas atletas, plantando várias sementes.

Não é fácil manter atletas de Big-Way ativas, pois requer uma estrutura muito complexa, mas elas conseguiram reunir antigos talentos e preparar novos para formar esse time.

Ao chegar em Boituva me senti imediatamente acolhida e parte daquilo tudo. No primeiro dia, já no salto de aquecimento, deu pra perceber que todas estavam ali presentes e comprometidas até a alma. Atentas aos briefings e cuidando umas das outras. E isso não acontece por acaso. É resultado do trabalho que foi feito antes, pelas lideranças que iniciaram o projeto há dois anos, o que já é meio caminho para o sucesso.

Recorde antes da chuva!

A incerteza de um céu limpo durante o evento fez a organização decidir subir para as tentativas logo no segundo dia do evento, segunda feira, depois de um domingo previsto apenas para saltos de aquecimento. Com o time principal levando nas costas a responsabilidade de aumentar de 34 (Boituva, 2014) para 37 o novo recorde. Enquanto o time reserva continuava treinando e fazendo bons saltos sob o comando de L.O.s de peso como David Rodrigues e Pedrosan.

Nas primeiras tentativas, com a formação de 37-way, tivemos dificuldades com a base, que não estava muito estável. Muita inércia e movimentos. Isso dificultou o trabalho das âncoras e whackers que estavam chegando aos grips com muito movimento. A base, com essa segunda onda de atletas, estava com muita instabilidade.

No quarto salto, mesmo cansadas, mas ainda com muita disciplina, tivemos o primeiro sucesso! 37-way fecha nos céus de Boituva, sorrisos nos rostos e um alívio enorme de dever cumprido logo no primeiro dia. Curtir o sunset com um recorde foi essencial pra manter a vibe lá em cima pro dia seguinte.

Banco de peso

Enquanto o grupo principal tentava o primeiro recorde, o grupo reserva continuava treinando e isso foi determinante pra dar continuidade aos planos do evento: Realizar o maior recorde possível em nosso país. As meninas do banco fizeram saltos super disciplinados e com uma seriedade que me impressionou. Com um time reserva tão bom, foram adicionadas 11 atletas para a próxima tentativa. Fiquei um pouco apreensiva de sair de 37 para 48, pois ainda tínhamos alguns problemas com a base e com a aproximação. Algumas atletas menos experientes ainda estavam ajustando o timing de parar no stadium e aproximar para o grip sem inércia (momentum como falamos na gringa), o que é crucial para êxito em grandes formações.

Voo em ala das aeronaves da Skydive4Fun / Foto: Ramela

Um atrás do outro

Mas o grupo estava muito bom tecnicamente e saltando com muita segurança. Precisávamos apenas de um pouco mais de calma para fazer as aproximações. Repetimos o briefing várias vezes nesse dia e subimos para a primeira tentativa com muito foco. Me lembro de chegar ao meu slot e ver uma base bem mais sólida e os grips acontecendo de forma mais tranquila. Ninguém teve pressa e todas ouvimos juntas o silencio de uma figura em queda livre. Foi lindo pousar e ouvir de muitas delas que perceberam esse silêncio pela primeira vez. Será que fechamos? A sensação era de sucesso, mas não podíamos comemorar ainda.

Neste pouso tivemos algumas atletas machucadas. Felizmente nada sério. Mas foi um misto de sentimentos. Logo em seguida veio a confirmação e agora sim muito motivo pra comemorar. Quebramos novamente logo no primeiro salto do dia. Dormimos recordistas com 37 e acordamos com o 48!

Nível técnico, disciplina e renovação

Fiquei muito impressionada com o fato de fecharmos dois saltos seguidos. Eu sou acostumada a ver evolução de atletas em Big-Ways e sei que são lentas, demandam muito treino, repetição e disciplina. Mas com esse grupo de mulheres eu vi um comprometimento muito grande, elas estavam com a vontade e a determinação de fazer aquilo que fora proposto. Foi muito emocionante.

Não posso deixar de destacar dois momentos brilhantes, coisas que não vejo sempre. A Michele foi tirada do slot quando uma outra atleta caiu na bolha dela e as duas passaram pra baixo da formação, ela conseguiu voltar pro seu slot. Uau!!

E Leila, que caiu do avião 6 segundos antes da base sair, mas conseguiu chegar no seu slot. Esses feitos não são sorte, não acontecem por acaso, pelo contrário, isso é muita habilidade de voo e vontade de fazer o trabalho.

Voltei pra casa muito feliz. Renovada. E quem sabe não renovei também minha motivação para continuar saltando? A ver! Sou grata por ter tido a oportunidade de fazer parte dessa equipe e contribuir para a conquista deste recorde. E, acima de tudo, ver que mesmo quando ciclos se encerram, outros se iniciam.

As pausas são necessárias, são saudáveis. O importante é estar com a mente 100% naquilo em que nos propomos a fazer. Meus parabéns às 60 mulheres que fizeram parte disso. No céu e no chão.

Tenho certeza que a minha maior conquista são as pessoas que o paraquedismo trouxe e continua trazendo pra minha vida. É um privilégio enorme dividir isso com todas vocês.

Alegria contagiante após os saltos de 48 way / Foto: Batoque Filmes

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