Os quatro dias do evento que culminou no marco histórico de 4 recordes em 4 dias, foi uma jornada que nos ensina o poder, o amor e a determinação da minoria dos que saltam: essas mulheres maravilhosas
Por Jessica Carandira
Comissão organizadora do recorde da esq p/ dir: Lidiane Alexandre, Flávia Lopes, Beatriz Ohno, Débora Brescianini, Mariana Aranha. Erika Queiroz. Jessica Carandina, Patricia Carvalho / Foto: Batoque Filmes
Como qualquer um que se envolve com o paraquedismo e é fisgado na alma por esse esporte tão único – e esse é meu caso – minha trajetória foi intensa até chegar nesse momento. Nesse evento. Nesse recorde. Comecei a saltar em 2019 e já no ano seguinte, participava do meu primeiro campeonato brasileiro conquistando um segundo lugar com outras três amigas. Desse campeonato, veio a certeza do que queria pros próximos anos da minha vida: muitos saltos, muito skydive!
Mas não queria apenas saltar. Queria evoluir como atleta, me desafiar e experimentar esse mundo novo. Participei de outras competições – indoor e outdoor – e muitos eventos.
A partir daí surge numa conversa despropositada, num final de área qualquer, com aquela cerveja no sunset, o assunto recorde feminino. Estava com a Beatriz Ohno, e ela comentava como havia sido a realização do recorde da mulherada em 2014, um 34 way. A preparação, o treinamento, o engajamento, a vibe e a união das mulheres em prol de um objetivo comum: o recorde. Mas o destino não era a meta à época. A jornada seria o grande desafio.
O recorde serviu pra unir durante o ano todo, um grupo de mulheres dispostas a ensinar e dar espaço para iniciadas no mundo das grandes formações. Vários encontros foram organizados para fazer desde pequenas clínicas de grandes formações para entender os conceitos de saída, quadrante, aproximação, radial e voo em formação, até mesmo one-on-one com recém formadas no AFF que queriam fazer parte desse caminhar técnico, até o dia da quebra do recorde.
Estávamos naquele momento, plantando a semente dessa nova tentativa de recorde pra, novamente, agitar a mulherada, botar um propósito e, com ele, estimular várias atletas a se aperfeiçoarem na modalidade do FQL. Enquanto a Bia relatava toda essa jornada maravilhosa para o destino final, tudo o que eu mais queria, enquanto ouvia ela contar, era estar naquele recorde e vivenciar aquela trajetória.
Apoio fundamental das aeronaves da Skydive4Fun / Foto: Batoque Filmes;
Equipe organizadora
Um belo dia ela me liga para anunciar que faria uma reunião com as organizadoras do último recorde. Fiquei eletrizada com a possibilidade de termos isso tudo acontecendo no Brasil, depois de tanto conversar com ela o quanto seria incrível ter um projeto para um recorde feminino novamente. Aproveitar o momento que estamos no paraquedismo, com tantas mulheres talentosas chegando, mas sem um norte sólido dentro do esporte. E dias depois ela confirma o que eu tanto queria: O grupo estava formado e o projeto sairia do papel, da cerveja do final da área.
E para minha surpresa, não só me presenteava com a oportunidade de estar em um recorde, mas também me convida pra fazer parte da organização. Logo eu? Manicaca total! (risos). Mais um desafio para enfrentar no paraquedismo, mesmo com um medo interno pela responsabilidade que ela queria me incumbir.
Fui pra reunião de planejamento sem saber qual seria meu papel. Mas, pra minha surpresa, nessa nossa primeira reunião, o alívio da Flavia me assustou quando eu disse que trabalhava com financeiro! Sabia que ia ser barra, mas eu estava empolgada demais naquele momento para titubear. Era um caminho sem volta e já sentia meu estômago gelar. Grandes desafios pela frente.
E assim foi, um ano e oito meses de muito trabalho. Mas muito mesmo! Muita dedicação, preocupação e aprendizado. A Jessica de hoje dentro do skydive é outra completamente diferente daquela do início desse projeto. Além da preparação e dos saltos que realizamos, aprendi o “behind the scenes” do paraquedismo. Como se faz um evento, os bastidores, as dificuldades, os desafios e responsabilidade com a execução. Como é desafiador cobrar 30, 40 ou mais atletas seus compromissos financeiros com o projeto. Como é desafiador levantar verba para um evento tão grande, com inúmeros detalhes que nunca imaginava existir, e como é difícil muitas vezes controlar os sonhos das próprias organizadoras. Ser o financeiro é ser a chata necessária da festa.
Jessica Carandina após bater o recorde / Foto: Batoque Filmes
Resultado através da jornada
Tive o privilégio de dividir essa missão com mais sete mulheres que se tornaram amigas, team mates e parceiras para a vida! Mas o maior privilégio, que eu só dei conta no meio do evento, foi que meu sonho, de bater um recorde feminino, foi realizado através das atletas iniciantes. Essas estavam lá, desde o primeiro treino com a gente, colocando-se como aprendizes, assimilando os debriefings, dedicando-se a um sonho coletivo de quebrar a barreira do 34 way de 2014. E foram elas que conseguiram a cereja do bolo participando do nosso 48 way. Que conquista gloriosa e sutil, pra cada uma de nós.
E o resultado, como fora a proposta em 2014, e agora em 2023, não foi chegar ao destino. Carimbar um 37 way e, no dia seguinte, logo no primeiro salto, estampar nos céus um 48 way que voou naquele silêncio, a 200km/h que só quem já bateu um recorde, sabe. O grande diferencial desse projeto foi fomentar o nosso skydive! Dar um norte para a mulherada.
Poderíamos ter feito o recorde facilmente lá atrás, chamando um time de notáveis brasileiras. Mas pavimentar o caminho com saltos técnicos, aprendizado, erros e acertos, era o mais importante. Apresentar nossa modalidade – que é tão linda –, ver nascer mais times femininos em competições e criar um laço de amizade com mulheres que eu jamais imaginaria conhecer, é o grande prêmio.
Não é o destino. É a jornada que conta. E que jornada eu vivi.
BOX:
A mulherada fez história no paraquedismo Brasileiro e Sul-americano batendo quatro recordes em quatro dias:
37 way
48 way
13 way sequencial – 2 pontos;
12 way Híbrido (homologado apenas no Brasil).