Uma vida inteira pelo paraquedismo
O atleta, Ricardo Pettená, começou a se interessar pelo esporte com apenas 12 anos, com muita insistência, disciplina e determinação, conseguiu fazer seu primeiro salto aos 13, e ter ali a certeza que o paraquedismo seria para a vida inteira.
Ricardo se formou no Clube de Paraquedismo de Campinas, em 1971. Teve como instrutor Aldamiro Dondon Filho (Miro), a quem é grato, pois foi devido ao esforço do instrutor que ele conseguiu fazer seu primeiro salto, mesmo tão jovem.
Ele é casado, tem 3 filhos, e nos contou sua trajetória e toda emoção de ter participado do primeiro salto de seu pai, confira a entrevista completa.
Air Press: O que te levou a saltar de paraquedas? Como o esporte veio até você?
Ricardo Pettená: É aquela história de quem ama a liberdade que o voo proporciona: eu sempre quis saltar, mas foi numa manhã de junho de 1971, que passei em frente a uma exposição de paraquedismo organizada pelo Clube de Paraquedismo de Campinas. Entrei e conversei com o paraquedista que estava tomando conta. Disse a ele que queria saltar, mas ele não era instrutor e pediu que eu voltasse à noite para falar com o Miro, que era o instrutor responsável pelo Clube.
Fui pra casa e no almoço conversei com o meu pai (conhecido no paraquedismo como tio Bob), e com a minha mãe. Pedi que eles fossem conversar com o instrutor. Naquela mesma noite voltamos à exposição e falamos com o Miro. Após tentar convencê-lo a me deixar participar do curso de paraquedismo, ele disse que eu poderia frequentar as aulas, mas que não poderia saltar por causa da idade – eu só tinha 12 anos. A minha compreensão foi seletiva e só escutei a primeira parte. Não entendi que não poderia saltar. Comecei o curso com a intenção de virar paraquedista, como todos que se inscreveram. Na época o curso durava 2 meses. A turma toda saltou, mas eu não. Comecei novamente o curso com uma nova turma que se iniciava, logo em seguida. Eles todos também saltaram depois de 2 meses e eu não pude saltar. Insisti indo todos os dias na casa do Miro. Pedia para ter mais instruções, afinal de contas, eu estava matriculado no curso.
Finalmente, depois de quase 6 meses, obtive autorizações do juiz de menor, do diretor técnico da CBPq que na época se chamava UBP.
Eu acompanhava a equipe do Clube em todas as atividades, na educação física às quintas-feiras, nos briefings nas sextas-feiras e nas áreas de paraquedismo nos fins de semana. Finalmente, depois de muita espera, o Miro me comunicou que eu saltaria no próximo fim de semana, no dia 12 de dezembro de 1971.
Air Press: Descreva o seu primeiro salto.
Ricardo Pettená: Eu estava ansioso, mas não tinha medo do salto. Me equipei com um harness e container de T-10 que continha um velame T-U (redondo). O reserva era ventral. Fomos até o embarque para subir no avião Cessna 170 do Comandante Bello. O avião era lento, mas o salto era baixo. Meu mestre de salto, Abenir Penteado, lançou um sonda e observou para decidir qual seria o melhor P.S. – ponto de saída. O Bello fez mais uma volta e entrou na reta. O avião subia sem a porta. Quando o Abenir disse para eu colocar o pé para fora, não hesitei, me sentei à porta e olhei para ele. Eu havia esperado por aquele momento há meses. Ele disse: “pode ir”. Coloquei as duas mãos sobre o reserva ventral, selei, fiz a posição “banana” e escorrei pela porta. Fiz a contagem e olhei para cima. O T-U estava aberto sobre a minha cabeça. Sensação incrível. Um silêncio total. Localizei o alvo atrás de mim, puxei um dos batoques pra ficar de frente e comecei a navegar. Eu estava extasiado e feliz. Vi o Miro no centro do alvo com duas bandeirinhas sinalizando a navegação. Eu havia estudado tanto que aquilo não era nenhum segredo pra mim. No final virei de vento de nariz, pousei no alvo e fiz o rolamento. Foi uma festa. No mesmo dia fiz o meu segundo salto.
Air Press: Descreva suas emoções em saltar no início.
Ricardo Pettená: Não tive medo nos primeiros saltos. Para mim tudo aquilo era apenas uma brincadeira de adultos que tinham deixado eu participar. O desafio foi a espera, a paciência e a determinação de continuar até que conseguisse a autorização para poder saltar.
Air Press: Quais as características mais marcantes do esporte que o mantiveram saltando no começo?
Ricardo Pettená: Cada salto era algo novo, um aprendizado, uma sensação maravilhosa de poder voar, dominar a estabilidade na queda livre, fazer o lançamento. No meu 23º salto participei de uma demonstração pousando (amerissando), dentro de uma lagoa. Depois comecei a competir, fazer Trabalho Relativo (FQL), dar instrução, ganhei 20 medalhas de primeiro lugar em Campeonatos Brasileiros, fiz muitas viagens, implantei o AFF e o BBF no Brasil, abri uma área de saltos (Azul do Vento), que tinha o melhor avião para saltos (Skyvan), fui morar nos Estados Unidos e trabalhei com paraquedismo. Participei de dois recordes mundiais como L.O. – load organizer. O recorde 300-way foi um dos saltos mais importantes da minha vida, porque eu era capitão de um dos setores e nosso trabalho foi impecável. Sempre havia um desafio maior, mas conduzir o Comitê de Instrução de Segurança por 3 mandatos e conseguir zerar os acidentes fatais no Brasil foi um dos momentos mais empolgantes no paraquedismo. Hoje me dedico à Skydive University, ministrando cursos de segurança, de instrutor, formação de examinadores, AFF, ASL, BBF e o curso “Como Abrir uma Escola de Paraquedismo”.
Air Press: Pra você, hoje, qual a importância em saltar de paraquedas?
Ricardo Pettená: Quando a gente tem paixão por alguma atividade, devemos ir atrás e fazer tudo com muita dedicação, procurando melhorar sempre. Passei por 5 décadas de evolução do paraquedismo. Cada uma trouxe novas técnicas, novos equipamentos e novos desafios que seriam impossíveis de se imaginar quando comecei. O mais importante sempre foi a sensação do voo, o trabalho em equipe e a busca pelo aperfeiçoamento.
Air Press: O que o paraquedismo trouxe de especial para sua vida?
Ricardo Pettená: A minha vida sempre foi e ainda é o paraquedismo. Hoje me dedico a fazer este esporte ficar mais seguro para todos que o praticam.
Air Press: Transmita-nos a emoção que você tem hoje em saltar.
Ricardo Pettená: Eu não saltei desde que iniciei o tratamento do câncer, mas estou curado e começando a me preparar fisicamente para poder voltar a saltar. A emoção de cada salto é uma mistura de sensações: a adrenalina, o voo, o espaço, a liberdade, as enxurradas de hormônios da felicidade, os picos de altos e baixos batimentos cardíacos. Na porta ele sobe, quando você passa por ela e se depara com a imensidão, o vento e a sensação de flutuar, ela desce e sobe novamente no momento da abertura do paraquedas.
Air Press: Conte-nos um salto memorável em sua carreira no esporte
Ricardo Pettená: Entre tantos saltos memoráveis, como o recorde mundial de 300-way, os saltos em praias maravilhosas, as celebrações de vida em queda livre, fiz um salto que foi inesquecível. Foi na Suazilândia, depois do mundial da África do Sul. Saltamos numa vila onde milhares de crianças nunca tinham visto um homem descer do céu. Fomos rodeados pelas crianças e pudemos transmitir e sentir o carinho de todos eles, inclusive dos pais e das mães.
Air Press: Conte-nos um salto engraçado em sua carreira no esporte
Ricardo Pettená: Tive muitos saltos e situações engraçadas, como o dia que fomos lançar as cinzas de um amigo em queda livre e acabei engolindo tudo quando a caixa abriu. Outra vez saltamos em outra cidade sem saber onde estávamos, e teve o salto noturno em Deland assistindo o lançamento do ônibus espacial, quando peguei um paraquedas errado que era bem menor que o meu. Hoje dou risada das roubadas em que me coloquei, mas não era tão engraçado no momento em que aconteciam.
Vou contar a história que aconteceu quando decidi fazer um salto baixo e pousar em frente à sede do Aeroclube de Campinas, em vez de ir para a área de pouso regular na Azul do Vento. Quando olhei para a biruta, fiquei totalmente confuso e achei que estava de vento de cauda. Quando girei e entrei na final para pouso, o paraquedas andava muito rápido e eu estava indo em direção a cerca. Já estava baixo demais e não tinha para onde virar. Pousei no piso de cimento e corri tentando frear, mas não consegui parar. Para alegria da galera que estava assistindo, estampei no alambrado. Naquele dia, só o ego saiu machucado.
Air Press: Conte-nos a pior situação que você já vivenciou no paraquedismo
Ricardo Pettená: Provavelmente foi o acidente que sofri quando uma pipa com cerol cortou as linhas do meu paraquedas e cai praticamente sem sustentação de 40 metros de altura. O dia estava ensolarado e o vento na camada estava muito forte, pois havia passado uma frente fria. Fomos carregados em queda livre para longe do aeroporto, tentei chegar, mas tive que escolher um campinho de futebol como alternativa. Depois de checar se não havia obstáculos ao redor do campo e nem fio atravessando o gramado, fiz uma curva de 270 graus, vi a pipa antes de terminar o giro, senti o paraquedas parar e as linhas serem cortadas, uma a uma. O velame que já era pequeno, fechou totalmente. Pensei em fazer o rolamento, e até tentei. Acho que foi isso que me salvou.
Air Press: Já teve uma pane? Quantas?
Ricardo Pettená: Foram 11 no total, porém 10 delas aconteceram na minha primeira década de paraquedismo, nos anos 70, sendo que a maioria foi de paraquedas redondo. Depois disso, tive apenas uma pane em 40 anos de saltos. Quando comecei, os procedimentos de emergência não eram bem definidos. A gente tinha que improvisar quando acontecia alguma coisa. Um exemplo, era a questão de desconectar ou não numa pane. A gente não saia do chão com uma linha de ação caso já definida caso tivéssemos uma pane. A situação era analisada, e, então, uma decisão era tomada.
A minha última pane foi causada pelo operador, ou seja, eu causei a pane. Era um salto para filmar um time e eu usava um macacão com asa. Saltei com um equipamento emprestado para poder fazer um back to back (um salto atrás do outro). Antes de subir, não notei que o container tinha um sistema de comando diferente. O pilotinho prendeu na asa e a bolsa subiu. Tive uma ferradura que virou uma pane parcial feia. Desconectei e comandei o reserva, mas o aprendizado é o que importa. Salte sempre com o seu equipamento. Se não der, fique no chão.
Air Press: Algum conselho para quem está começando no esporte?
Ricardo Pettená: Escolher uma boa escola na qual os instrutores tenham paixão pelo ensino e não pelo retorno financeiro, e que a escola seja orientada pela segurança. Outra dica importante, é que a escola use bons equipamentos e boas aeronaves.
Air Press: O que você diria para incentivar alguém a começar no esporte?
Ricardo Pettená: Diria que o paraquedismo é viciante, a emoção é maravilhosa, e que, cientificamente, saltar libera endorfina, serotonina, adrenalina e ocitocina, que são responsáveis pelas sensações de felicidade.
Seu mundo fora do Skydive
Air Press: Você mantém outra atividade profissional? Qual? Como chegou nela? Sonho de infância? Está feliz fazendo o que faz profissionalmente?
Ricardo Pettená: Sim, sou formado em marketing e pós-graduado em economia. Estou cursando um MBA em marketing digital. Trabalho com comunicação e marketing.
Air Press: Caso tenha uma atividade profissional distante do paraquedismo, qual tipo de reação dos colegas de trabalho em relação a isso? Conte uma situação marcante.
Ricardo Pettená: Minha atividade principal sempre foi o paraquedismo, mas também trabalhei com marketing e no governo federal como coordenador de comunicação. Eu notei que o mundo dos não paraquedistas se divide naqueles que te acham louco e que nunca fariam um salto, e aqueles que sempre quiseram saltar.
Muitas pessoas nem se imaginam saltando de paraquedas. Certa vez, entrei num voo comercial com o meu paraquedas que era da mesma cor da companhia aérea com a qual estava voando. Quando fui colocar o equipamento no bagageiro, uma moça me perguntou se aquilo era um paraquedas. Eu disse que sim, e que a empresa (aérea), estava fornecendo sem custo para os passageiros de voos domésticos, porque os aviões estavam sem manutenção. Perguntei a ela: “você não pegou o seu?”, ri muito da expressão de espanto que ela fez.
Air Press: Como sua família reage ao esporte?
Ricardo Pettená: A minha família sempre gostou do paraquedismo. Na verdade, somos uma família de paraquedistas. Meu irmão, Marcos Pettená, também salta. Meu pai também saltou e foi o mentor de grandes conquistas que tivemos no esporte. O mais legal, é que eu lancei o meu pai no primeiro salto dele, quando eu tinha 14 anos de idade.
Air Press: O paraquedismo te ajuda na sua profissão, ou nos relacionamentos interpessoais? Ou atrapalha?
Ricardo Pettená: Aprendi mais sobre relacionamentos interpessoais com o paraquedismo do que em qualquer outra atividade, afinal de contas, este esporte depende de uma grande equipe de suporte em cada uma das atividades. Os times de competição também são uma excelente fonte de lições de relacionamento no paraquedismo. Sou coach e usamos várias dinâmicas de equipe e psicologia para estabelecer uma forte coesão entre os membros dos times.
Air Press: O que mais o paraquedismo te traz de benefício?
Ricardo Pettená: Amigos, alegria, trabalho em equipe, liderança, enfim, o paraquedismo é uma escola de vida. O que você aprende no esporte pode ser aplicado na vida real.
Air Press: O que te faria parar de saltar?
Ricardo Pettená: Eu não vou parar de saltar. Mesmo quando ficar bem mais velho, sempre haverá espaço para um saltinho.
Jogo rápido
Air Press: Filme
Ricardo Pettená: Fernando Capelo Gaivota
Air Press: Música ou Intérprete
Ricardo Pettená: Gosto de rock n’ roll
Air Press: Livro
Ricardo Pettená: Ilusões de Richard Bach
Air Press: Canal de TV a cabo
Ricardo Pettená: Notícias e documentários
Air Press: Canal de Youtube
Ricardo Pettená: Friday Freakout
Air Press: Além de paraquedismo, o que fazer num final de semana?
Ricardo Pettená: Ir para uma pousada na praia ou num parque nacional
Air Press: Um ídolo
Ricardo Pettená: Jack Jefferies
Air Press: Melhor viagem
Ricardo Pettená: Tour de trem na Europa durante 40 dias (sozinho), depois do Mundial de FQL na França
Air Press: Ainda quero conhecer
Ricardo Pettená: Grécia
Air Press: Sonho de consumo
Ricardo Pettená: Viajar durante um ano de motor home sem destino
Segurança no paraquedismo vem da atitude de cada um de nós. por Ricardo Pettená Nosso esporte é de risco. Ele não é seguro. Por mais que usemos um DAA que acionará nossos reservas em situações extremas de quase morte, estaremos sempre sujeitos a nos acidentar a cada salto que fazemos. Por isso é muito importante […]